
( Tomei a liberdade de publicar o post de um grande amigo... Mico! Pela grandiosidade das suas palavras e por muito admirar tudo o que escreve, sou uma fã incondicional do seu blog, Obrigado, meu amigo, por seres como és!!!)
" Perguntaram-me o que é saudade. A minha resposta foi imediata: talvez ninguém entenda mais
disso do que eu! E tentei explicar. Falei que a saudade é uma dor que parece cortar a
alma de nós, como navalha. Que faz o coração sangrar de tal forma como se ouvíssemos cada
gota do nosso sangue gotejando na nossa alma. Falei que é a falta imensa que nós sentimos,
o vazio infinito que sentimos quando nos lembramos de alguém que não vimos mais, que há
muito não vemos, que não veremos mais ou, ainda, de algo que ficou no passado e que jamais
poderá ser revivido.
Respondi, também, que saudade é uma dor que faz com que nos sintamos pequeninos, impotentes,
fracos, por não podermos tomar iniciativa para restabelecer um momento, uma fase, um
período, um tempo da nossa vida ou trazermos de volta alguém que foi embora, ou para outro
plano, ou para bem perto de nós, porque se encontra vivo e aqui no nosso planeta, mas
totalmente inatingível, inalcançável por se envolver numa redoma, propositadamente ou
involuntariamente, ou, ainda que possa sê-lo, não nos dá condições para tanto, fazendo
o nosso coração latejar de dor ao mesmo tempo que fica meio oco e a faltar um pedaço.
Expliquei que a saudade é a vontade de termos de volta o quê ou quem perdemos, de
abraçarmos, beijarmos, falarmos, ouvirmos a quem amamos e se encontra ausente e, mesmo
que saibamos que um dia essa situação poderá mudar, ela magoa mais à medida que o tempo
vai passando e nenhuma luz nos mostra que esse dia está próximo, tão pouco se ele
realmente vai chegar. Defendi que é a ferida que se mantém aberta quando alguém nos
ensina a amar e esquece de nos ensinar como deixar de fazê-lo, como esquecer. É como
se esse alguém comprasse o peixe para nos dar o alimento e jamais se tivesse preocupado
a ensinar-nos a pescá-lo, talvez porque nem soubesse fazê-lo, já que optou pela compra
e não pela pesca. E, quando vai embora, deixa-nos a fome, a necessidade do alimento.
E, à medida que eu enumerava as várias interpretações da saudade, mais eu sentia saudade,
mais aumentava o vazio dentro de mim, mais sentia vontade de dormir, dormir, dormir, até
que chegasse o momento de aplacar todas as minhas saudades, minimizando-as ou
exterminando-as. Porém, repentinamente, eu lembrei-me que a saudade não é só isso!
Que pode ser, também, o oposto disso tudo! Que pode não ser a ferida, a dor, o vazio, a
impotência, a distância, a ausência! Saudade pode ser, também, a boa recordação de momentos,
fases, épocas, pessoas; a lembrança que passeia na alma, que dá a sensação de proximidade
de quem amamos, que nos faz sorrir quando revivemos, mentalmente, situações inesquecíveis,
momentos insubstituíveis, ocasiões ímpares, alguém que faz parte de nós, que é um pedaço
imenso do nosso coração, que nos fez feliz mesmo que por poucos, mas intensos instantes.
Saudade, pode ser apenas um bem maior que a felicidade, porque é a felicidade que ficou.
É, ainda, a certeza de que fomos presenteados com a possibilidade de darmos e recebermos
os melhores sentimentos de alguém, em algum momento da nossa vida. É sabermos que existiu
na nossa vida algo ou alguém tão maravilhoso e tão importante para nós, que não nos permite
que esqueçamos, que abandonemos, que neguemos, que nos furtemos a admitir que vivemos com
intensidade, às vezes até com loucura, paixão, de forma incomensurável, algo ou alguém que
representa ou representou a nossa outra metade, tudo que nos faltava, tudo que merecemos.
Lembrei-me, sim, que a saudade pode não representar tão somente a tristeza, a amargura, o
desprezo recebido, o abandono, a revelação de um sentimento solitário que, em algum momento
, nos enganou, permitindo-nos acreditarmos na correspondência dos nossos sentimentos.
Lembrei-me, sim, que a saudade pode não acontecer apenas quando sentimos a tristeza ao
deparar com a realidade de que neste plano não teremos mais a possibilidade de reencontrar
um ente querido que já fez a sua passagem. Lembrei-me, sim, que a saudade é a marca, a
tatuagem, o reviver, a raiz regada e proliferara de um facto, de um momento, de um espaço
da nossa vida, de alguém que muito amamos e que, não importam os motivos, não estão ao
nosso alcance no exacto momento em que os nossos pensamentos activam as nossas lágrimas
misturadas com os nossos sorrisos, expressando os mais puros sentimentos traduzidos pelo
nosso coração e as maiores alegrias que a nossa alma gravou no mais profundo do nosso
ser, permitindo que factos e pessoas extremamente especiais para nós, passassem a ser
um pedaço de nós!
E isso é tão verdade que, surpreendentemente, sentimos saudade de quem nunca vimos,
dos beijos que jamais demos ou recebemos, do abraço nunca materializado, de palavras
escritas, de carinhos nunca recebidos, do olhar que nem sequer sabemos a cor, do corpo
que nem fazemos ideia de como seja, de personagens criados para nós ou por nós, de
lugares jamais visitados, de estrelas que jamais tocamos, do luar que nunca nos mostrou a
face da pessoa amada, da música que jamais ouvimos juntos, da poesia que nunca foi feita
para nós, dos lábios que, na nossa mente, são doces, ternos, cujo gosto temos a sensação
de ter sentido, sem, entretanto, jamais os termos tocado...
Saudade é tudo isso e muito mais! Saudade eu sinto, de ti.."
(Escrito por Mico)